35% da coleta seletiva acaba no lixo comum

O jornal A Folha de São Paulo publicou hoje uma matéria sobre a coleta seletiva que estamos desempenhando na cidade de São Paulo. Sentia que está era a realidade da nossa coleta seletiva, mas tinha uma esperança de um sistema um pouco mais amadurecido. Sinto pela nossa cidade, pelo meio ambiente e mais ainda pela luta dos catadores de tentar dar mais dignidade as suas vidas através da nossa remota colaboração de separarmos e limparmos o lixo.

Material que o paulistano entrega para ser reciclado não é totalmente aproveitado e vai parar nos aterros sanitários

Desperdício reduz ainda mais a margem de lixo reciclável em SP; coleta seletiva dá conta de menos de 1% de todo o lixo produzido


Danilo Verpa/Folha Imagem
Recicladores separam o lixo em cooperativa; falhas na coleta e compactação excessiva prejudicam aproveitamento do material

MARIANA BARROS
DA REPORTAGEM LOCAL

Boa parte do lixo que o paulistano separa, lava e guarda pensando que será reciclado vai parar no aterro, misturado ao lixo comum.
Ontem, a aposentada Ilka Piquet, 73, moradora da Vila Madalena (zona oeste), separava embalagens de vidro, papel e isopor para serem levados pelo caminhão de coleta seletiva.
Mas, por uma sucessão de falhas e de falta de fiscalização por parte da prefeitura, uma parte desse material, em média 35%, não será reaproveitado.
Muitos dos caminhões, por exemplo, fazem uma compactação excessiva do lixo, quebrando vidros e fundindo plásticos -o que impossibilita a separação. Além disso, alguns itens, como embalagens de xampu ou papel de presente, não têm compradores.
Há mais falhas. Ontem, na Vila Madalena, bairro da dona Ilka, o caminhão da coleta seletiva não passou -o lixo foi levado pelo caminhão de lixo comum e, portanto, direto para o aterro.
A concessionária Loga, responsável pela coleta, disse que o veículo de recicláveis saiu da rota prevista. Até o fechamento desta edição, a empresa desconhecia a razão, mas informou que haverá punição administrativa para os funcionários.
Mas, segundo moradores, o caminhão da coleta seletiva não passa por lá desde o início deste ano.
O desperdício reduz ainda mais a margem de lixo reciclável da cidade, que em 2008 foi de 7% do lixo domiciliar passível de reciclagem e menos de 1% do total produzido.
Apenas pouco mais da metade dos paulistanos têm coleta seletiva na porta de casa -os outros 5 milhões precisam transportar o próprio lixo até um posto de coleta.
Na cooperativa de triagem da Vila Leopoldina (zona oeste), o desperdício, segundo a coordenadora Jacy Cardoso, é de 40%. Ela diz que um dos problemas é que as empresas que coletam o material prensam o lixo."Se o caminhão chega muito cheio, com mais de 3,5 toneladas, nem deixo descarregar. As garrafas vêm moídas, o plástico dentro da lata, os papéis destruídos, tudo amassado", diz.
Por falta de compradores, a cooperativa não aproveita, por exemplo, embalagens de xampu, de catchup e de mostarda, papel de presente e potes de gel. Isopores estão há cinco meses empilhados na triagem da Sé (centro) aguardando comprador. Lá, porém, o desperdício é menor, cerca de 18%.
Na da Mooca (zona leste), onde o rejeito chega a 50%, há um amontoado de galões plásticos na mesma situação. Dados do Instituto Pólis, que atua no setor, indicam que 35% do lixo reciclado é desperdiçado.
As 16 centrais de triagem da capital, cooperativas que operam em locais cedidos pelo poder público, são cadastradas pela Limpurb (Departamento de Limpeza Urbana) e recebem a coleta da prefeitura, além do que elas mesmas coletam.

A Prefeitura de São Paulo diz que está investindo para melhorar o recolhimento e ampliar a coleta seletiva realizada na porta da casa dos paulistanos -hoje, cerca de 6 milhões de pessoas contam com essa facilidade na capital.
Por e-mail, a assessoria de imprensa da Secretaria de Serviços informou que até o final do ano implantará dois centros de capacitação para os trabalhadores de triagens e investirá R$ 25 milhões para a criação de mais 25 centrais -hoje são 16.
Hoje, 74 dos 96 distritos contam com caminhão de coleta seletiva. Segundo a administração, um dos critérios para implantar o serviço em determinada área é a quantidade de solicitações dos munícipes.
Perguntada sobre o fato de 35% da coleta seletiva acabar no lixo comum, a assessoria da Secretaria de Serviços nada respondeu.
O contrato da prefeitura com as empresas de coleta prevê o uso de caminhões compactadores na realização do serviço. Mas a prefeitura afirma que os veículos são regulados para que a prensa seja menos intensa do que na coleta domiciliar, para não danificar os materiais.
Diz ainda disponibilizar para as centrais de triagem 37 caminhões-gaiola. Esses caminhões têm caçamba com grades -o material não é prensado. Sua capacidade, porém, é menor, demandando mais viagens.
Loga e Ecourbis, as duas concessionárias que realizam o serviço na capital, afirmam que, quando executam a coleta seletiva, seus caminhões (com capacidade para 15 toneladas) são programados para receber, no máximo, três toneladas.
"Veículos compactadores das concessionárias são empregados [na coleta seletiva] para aproveitar o circuito e o combustível. Tudo gira em torno dos custos", analisa Elisabeth Grimberg, coordenadora da área de ambiente urbano e diretora do Instituto Pólis.
Segundo ela, se houvesse mais centrais espalhadas pela cidade, os circuitos de coleta seriam mais curtos, diminuindo a necessidade da prensa

ANÁLISE

Valor de material reciclável precisa de controle social

FABIO PIERDOMENICO
ESPECIAL PARA A FOLHA

A partir da década de 60, as mudanças nas características dos resíduos tornaram-se mais evidentes no Brasil, com as embalagens retornáveis sendo substituídas por embalagens descartáveis. Diante desse quadro, o poder público tem buscado, há décadas, dar respostas, de um lado, ao surgimento dos catadores de lixo -reflexo das sucessivas crises financeiras- e, de outro, à criação de política de coleta seletiva. Tal dicotomia resultou em tratamento distinto de políticas públicas.
Mais atualmente, porém, o marco ambiental vem sendo corretamente interligado ao marco social. De sua parte, os catadores passaram a se organizar, a partir da realização, em 1999, do 1º Encontro Nacional de Catadores de Papel, início da formação do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis. Por sua vez, o poder público começou a criar centenas de projetos solidários, prevendo a inclusão dos catadores na coleta seletiva.
Mas em 2009 a crise mundial levantou a questão de que não eram mais suficientes as políticas que definiam os princípios, diretrizes e benefícios para uma gestão sustentável de resíduos, em níveis social, ambiental e político, pois, na ponta final, os valores dos materiais recicláveis continuavam a obedecer à lógica de mercado.
O atual desaquecimento na economia mundial derrubou em até 70% o preço de muitas sucatas e materiais recicláveis, reduzindo drasticamente a renda de catadores e trabalhadores de cooperativas de reciclagem. Comprovou-se, assim, que, se por um lado, a tutela de políticas públicas funcionava, por outro, no contexto econômico, a diretriz continuava sendo mercantilista e liberal.
Emergencialmente, se discute desde outubro a redução proporcional do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) e outros incentivos fiscais, visando estimular as empresas a utilizarem matérias-primas renováveis em seus produtos.
Em que pese a boa intenção, a iniciativa resolve o problema apenas em parte, já que não ataca o núcleo da discussão, qual seja, os valores repassados aos catadores, que ainda são controlados pelo mercado.
Urge, assim, a necessidade de se instituir, como política pública federal, um controle social dos valores dos produtos dos materiais recicláveis, de modo a que se complete de vez o processo social de inclusão, desde a coleta até a venda. Se isso não ocorrer, não veremos nunca a emancipação social dos catadores.

FABIO PIERDOMENICO é economista, advogado e professor de direito ambiental e foi diretor técnico do departamento de limpeza urbana da Limpurb entre 2002 e 2004 (gestão Marta)

Matérias da Folha de São Paulo do dia 27 de janeiro de 2010

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